24 e exultando!

Desde que fiz vinte e quatro anos pela segunda vez estou exultando. Durante as férias de verão negociei com o Vincent dez dias só para mim. Foi o primeiro verão em que consegui não passar nem um diazinho na casa de campo dos sogros. O marido fez cara feia e achou minha atitude um pouco abusada, mas dei de ombros, depois de alguns anos de psicanálise já não sinto a menor necessidade de agradar a Chantal. A única parte ruim é que vou ficar sem histórias com a sogra para escrever…

Voltando aos meus dias de liberdade, aproveitei para viajar de carro pelo sul da França com uma amiga, mãe não de dois, mas de três rebentos. Fomos as duas livres, leves e soltas, sem maridos nem filhos, dando risadas e cantando alto estrada afora, no melhor estilo Thelma e Louise. Passamos alguns dias na casa de um amigo que eu não via há anos, apesar de ter muito carinho por ele, pois sempre me pareceu impossível visita-lo com Vincent. O amigo em questão vive com a cabeça em outras dimensões, mais elevadas que esta nossa aborrecida tridimensionalidade, e eu sequer consigo imaginá-lo tendo uma conversa com o ateu filósofo que tenho por marido. Durante três dias ele nos nutriu com comidinhas vegetarianas mágicas e mostrou as praias da região, ao mesmo tempo em que nos iniciava em medicinas indígenas brasileiras e explicava sobre horóscopo tibetano, cavaleiros templários, Maria Madalena e São Sebastião. 

Saí da sua caverna me sentindo plena e feliz, disposta a não perturbar este estado elevado durante o festival de cinema para o qual nos dirigimos em seguida. Minhas boas intenções não resistiram à primeira noite, quando vi já estava degustando a deliciosa aguardente de pera local e emendando celebrações oficiais do festival com festinhas clandestinas organizadas pelos jovens voluntários. Não tenho a impressão de ter abusado, mas mais de uma vez percebi, ao voltar para a barraca no meio da madrugada, em meio às vinhas e sob um céu absurdamente estrelado, que não caminhava em linha reta.

Esta foi a última viagem das férias. Depois voltaram as aulas, das crianças e minhas também, e fui obrigada a me enfiar nas burocracias, na organização do dia-a-dia, no conserto da máquina de secar e na luta contra os piolhos. A expectativa de outro festival de cinema, organizado por um grupo de amigos sul-americanos, foi meu farol durante este período entediante. Eu sabia que logo adiante haveria uma semana de alegrias incontidas e posso dizer que não me enganei, este segundo festival não deixou a desejar. O único problema foi ter que voltar para casa todas as noites.

Porque aqui em casa, quando eu chego, todo mundo acorda. Cinco e meia da manhã, me equilibrando para tirar os sapatos sem fazer barulho, sou surpreendida pelo Enzo: “Mamãe, tive um pesadelo horrível”. Com muito esforço o acompanho até sua cama e dou um beijinho amoroso, para em seguida ouvir Jasmim resmungar: “Não consigo dormir, minha cabeça está coçando”. Ensaio uma voz paciente e respondo que resolvemos isto amanhã. Me dirijo ao banheiro quando dou de cara com o marido no corredor: 

– “Que horas são?” – ele pergunta, meio dormindo. 

– “Umas duas” – minto sem muita convicção. 

Duas horas mais tarde, às sete e meia da manhã, já estou de pé preparando as crianças para a escola. Escovo os dentes do pequeno quando ele solta: “Mamãe, por que você estava escovando seus dentes no meio da madrugada?”. Ninguém merece… Mas o pior ainda estava por vir. Jasmim, que de hábito mal se despede e sai correndo para atravessar o portão da escola sozinha, justo neste dia decidiu que não apenas queria que eu a acompanhasse até a sala de aula, mas também que eu conversasse com a professora. E eu, como não ouso desobedece-la, executei… Foi um dos momentos mais embaraçosos da minha vida, de pé ali, entre a bebedeira e a ressaca, tentando pensar num assunto que justificasse minha presença na sala de aula enquanto Jasmim olhava para a cena com um risinho mal disfarçado nos lábios. 

Não me desmoralizei, para compensar no dia seguinte cheguei às seis da manhã! Mas ainda bem que o festival acabou, exultar e cuidar de dois filhos não é mole quando se tem vinte e quatro pela segunda vez.

24 anos

Hoje completo 24 anos! Vou aproveitar bem, porque ano que vem ganharei dez anos de uma vez, farei 34… E no próximo vou ter que parar a brincadeira, porque 44 fica a mesma coisa nos dois sentidos. E depois é que não vou continuar, imagina se vou querer ter 54 ao invés de 45! Então este é o melhor aniversário dos próximos anos, até porque quando voltarei a rejuvenescer, aos 51, o salto será grande demais, não tenho vontade de ter 15 novamente. Mas depois recomeço, 25 aos 52 me parece um bom negócio! Ou talvez até lá eu realmente tenha crescido e não tenha mais coragem de anunciar por aí minha idade ao inverso, como hoje de manhã, quando respondi a um amigo que estou fazendo 24 anos. Ele replicou que estou muito bem para uma mulher de 24. 

Na primeira vez que fiz 24 anos, eu era uma jovem cheia de entusiasmo. Tinha me mudado para Paris há um ano, estava retornando do meu primeiro trabalho de campo, que também foi minha primeira viagem ao Oriente Médio, e escrevendo minha dissertação de mestrado, feliz com o desafio de redigir em francês. Nesta época tudo era possível, até mudar o mundo. Eu já tinha encontrado o Vincent e decidido que namoraríamos sério. Estava cansada dos ficantes e da histeria de me apaixonar repetidamente – porque eu vivia me apaixonando. Rezei uma espécie de novena de vinte e um dias, pedindo a Deus que colocasse no meu caminho um rapaz divertido, inteligente, que me amasse e eu amasse também, e que fosse mais alto do que eu. Acho que ainda estava rezando quando conheci o Vincent. A primeira vez que ele me visitou, eu alugava um quarto na casa de uma madame tão rica quanto fria, na periferia chique de Paris. Como estava anoitecendo e em breve o metrô pararia de funcionar, sugeri que ele dormisse no chão, num colchão ao lado da minha cama. Queria que o namoro vingasse e, para isto, estava decidida a fazê-lo esperar, como nos velhos tempos. Ultrajado com minha proposta, Vincent preferiu ir embora. Acho que foi aí que comecei a me apaixonar. Eu coloquei meus limites, ele aceitou e colocou os dele. Gostei. 

Voltando aos meus primeiros 24 anos… Eu ainda tinha mãe e não imaginava que oito anos mais tarde ela não estaria mais por aqui. Não sabia que ter mãe era ter chão e uma fé inabalável na vida. Agora que faço 24 anos pela segunda vez sou mais cautelosa. Não tenho seu colo para me aconchegar caso as coisas deem errado…

Mas tenho uma filha que adora quando consegue, por alguns instantes, inverter nossos papéis. Fico atenta para que isto não aconteça, sei que não é correto, mas confesso que às vezes acho gostoso. Como da última vez em que, ao me ver triste, ela colocou as mãos em volta do meu rosto e ficou repetindo, para levantar minha moral: você é bela, você é inteligente, eu tenho orgulho de você. Achei graça na faísca que saía dos seus olhos, Jasmim se deleita quando está no comando. Esta menina não é mole. 

E tenho um filho que está crescendo. Enzo não é mais meu bebê, não o vejo mais como uma extensão do meu próprio corpo, mas ele ainda me enche de beijinhos e declarações de amor. Vou confessar outro prazer culpado: alguns meses atrás ele sussurrou no meu ouvido: “Mamãe, não conta pra ninguém, mas eu te amo um pouquinho mais do quê o papai”. Viva o Édipo!

Aos meus segundos 24 anos, tenho uma bagagem de amizades perdidas, ilusões perdidas, ambições perdidas… Mas tenho também amizades nascentes, um olhar mais lúcido e projetos alinhados com aquilo que realmente desejo. 

Sim, tenho desejos. E hoje desejo manter o entusiasmo dos primeiros 24 anos até completar 25 novamente !