Atendendo a pedidos, aí vai uma história com a sogra. Aconteceu três anos atrás. É tudo verdade, mas os nomes são fictícios.
Seis horas da tarde. Meu rosto se ilumina quando abro a porta do carro. O sol, ainda alto, realça o verde da grama recém cortada. Seus raios formam pequenas estrelas que pendulam junto com as barras de ferro da balança, de onde ecoam sonoras risadas e despontam bracinhos e perninhas. Há meses anseio por esse frescor. “A gente revive”, disse uma amiga quando almoçávamos em uma mesa ao sol, uma semana atrás. Meu coração reconheceu a exatidão dessas palavras simples. É primavera e eu renasço em cada brotinho que surge na ponta de cada ramo de cada árvore. Nessa época do ano, os ninhos são facilmente visíveis através dos galho seminus. Uma felicidade boba me invade quando percebo um pássaro voar com gravetos no bico. Fecho os olhos, sinto o calorzinho se difundir na pele enfim livre dos casacos de inverno.
Mas tal leveza não pode durar. Ao fundo do jardim, sentada numa espreguiçadeira, contrastando com a imponente casa de pedras e revestimento amarelo típico dessa parte da Normandia, está ela, Chantal, minha sogra. Uma respiração pesada marca a volta à realidade. Enzo começa a se impacientar na cadeirinha de bebê. Pego-o no colo e desço o morrinho que leva até a casa. Me pergunto como agir, afinal, na última vez em que estive ali me rebelei pela primeira vez, após mais de dez anos engolindo as malícias dessa senhora. Atravessei o portão furiosa, o tapete de yoga num braço e o recém-nascido no outro, os pés descalços desafiando as pedrinhas da estrada, berrando que jamais entraria naquela casa novamente. Desde então, muita água rolou. Uma semana após ter me insurgido, engoli meu orgulho e enviei um cartão de paz para Chantal, que por sua vez fingiu que nada acontecera, empurrando a poeira para debaixo do tapete com polidez francesa.
Sobretudo, alguns meses após esse episódio, o esposo da filha caçula de Chantal, Jeanne, faleceu abruptamente, deixando-a viúva com dois filhos pequenos. Além de Jeanne e do meu marido, Chantal tem outra filha, a mais velha dos três. Jeanne sempre fora sua preferida e, desde antes de perderem o pai, seus filhos, que têm praticamente a mesma idade dos meus, são seus netos favoritos. Na verdade, é como se Chantal tivesse uma filha e dois netos, quando na verdade ela tem três filhos e sete netos. A morte do marido de Jeanne não melhorou essa situação, pelo contrário. Ela, que já era uma santa aos olhos da mãe, se tornou uma mártir. Mas, como é próprio da morte, esse acontecimento trouxe uma urgência de união para a família, suspendendo momentaneamente as antigas querelas.
“Talvez a satisfação de ver meu filho, seu neto mais novo, alivie a situação”, espero. Não há quem não derreta com o olhar esperto e o sorriso maroto de Enzo : na creche, as moças brigam para cuidar dele; na rua, as velhinhas param para conversar, subjugadas pelo seu charme. Esse pensamento me dá coragem. Prossigo, quase sorridente. Mas Chantal não se levanta da espreguiçadeira, sequer descola os olhos do livro. Me aproximo e deposito Enzo na grama, próximo aos seus pés. Anton, filho de Jeanne, um ano mais velho que Enzo, corre até o primo e lhe faz um carinho na cabeça. A sogra declara, então, encantada: “- Que gracinha, ele o acaricia como se fosse um cachorro”.
Continua…
Ah! Eu queria muito ler sobre essa parte aqui! Esperando pela continuação. Como sou mãe de uma filha com idade próxima do seu, eu já me coloquei no seu lugar e já deu um aperto no coração… não é fácil!
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Obrigada Sophie pelo comentário, me sinto menos sozinha. A continuação saiu hoje!
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